Iniciativas buscam mudar a realidade de jovens que sonham em entrar na faculdade
Cerca de 60% da população brasileira entre 15 e 17 anos que frequenta escolas estavam em algum grau de pobreza em 2023, de acordo com dados do Todos Pela Educação, levantados a pedido da CNN.
O levantamento mostra que, no ano passado, mais de 4,8 milhões de estudantes nessa faixa etária viviam com até meio salário mínimo, ou seja, no máximo R$ 706 por mês. O número é menor nos últimos anos, mas chama atenção devido ao momento de preparação dos alunos para ingressar no ensino superior.
A faixa etária corresponde ao período regular do Ensino Médio, em que os estudos também preparam os estudantes para os vestibulares. A baixa renda leva os jovens a buscar rendas para ajudar a família e os estudos ficam em segundo plano, segundo o Jackson Almeida, Analista de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação. “Um cenário de vulnerabilidade socioeconômica significativo, que fragiliza tanto o processo de ensino-aprendizagem quanto os aspectos de construção e engajamento desses estudantes nos seus projetos de vida, principalmente nos aspectos que buscam acessar o ensino superior”, afirma.
Em 2017, o número de adolescentes nessa condição quase alcançava mais de 5,6 milhões, o que correspondia a 65% da população nessa idade nas escolas, segundo os dados baseados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No ano passado, quase 1,4 milhão de jovens viviam em extrema pobreza, com um quarto de salário mínimo (R$ 353). As regiões Nordeste e Norte do Brasil são as mais impactadas. Os estados com maior porcentagem de estudantes nesse cenário são:
Maranhão (34%)
Acre (33%)
Ceará (32)
Pernambuco (31%)
Rio Grande do Norte (30%)
Sergipe (30%)
Paraíba (29%)
Piauí (29%)
Bolsas de estudos para quem precisa
Para mudar essa realidade, organizações da sociedade civil têm se mobilizado para prestar assistência à estudantes que querem cursar o ensino superior. A associação Projeto Gauss é uma delas. O projeto oferece bolsas de estudos em cursos preparatórios, mentoria e apoio multidisciplinar para alunos em vulnerabilidade que sonham em entrar na faculdade, como explica Paulo Funari, Diretor presidente e conselheiro do projeto:
“O Gauss oferece, em primeiro lugar, bolsas de estudo em cursinhos pré-vestibulares, escolas e instituições de ensino. Além da bolsa de estudo, a gente dá auxílio transporte e auxílio alimentação; temos um programa de mentoria, onde nossos mentores vão acompanhar a evolução deles no projeto, e uma série de outras ferramentas”, destacou.
A associação recebe o sobrenome do alemão Johann Carl Friedrich Gauss, que nasceu em família camponesa com poucos recursos, teve os estudos financiados e se tornou um dos mais renomados matemáticos no mundo. Suas descobertas mudaram não apenas a sua vida, mas também beneficiariam a sociedade.
Apenas no ano passado, a organização atuou em cinco estados brasileiros e forneceu apoio para mais de 100 estudantes, com ajuda de mais de 300 voluntários. Desde 2015, foram mais de R$ 5 milhões investidos em educação.
O projeto atende alunos do ensino fundamental, do ensino médio e os que já concluíram seus estudos escolares e almejam ingressar em universidades. A Keiko Hanashiro, de 19 anos, é uma das jovens atendidas pelo projeto. Ela já concluiu o ensino médio e mantém os estudos de olho no vestibular de medicina em um curso preparatório: “É difícil a vida de cursinho porque eu fico integralmente aqui. É difícil não ver a família com frequência. Eu chego de noite, tenho que dormir cedo, volto bem cedinho pra cá. Seis dias por semana, de segunda a sábado. Tudo pelo sonho de ser médica”, afirma.
Além da preparação para o vestibular, os jovens também recebem mentoria e aprendem valores de liderança, como explica Valéria Grossmann, diretora executiva e, hoje, a principal liderança do projeto. “O papel mais importante é a gente mostrar oportunidades. A liderança vem muito com essa exposição que o jovem tem a várias oportunidades. Então a gente fica muito atento a qualquer coisa que exponha e que faça o jovem correr atrás”, conta.
O resultado do projeto pode ser visto na história da Analice Nato, de 18 anos. Ela é moradora da Zona Sul de São Paulo e seus pais não tinham condições financeiras de pagar por seus estudos. No segundo ano do Ensino Médio, já com uma bolsa do Gauss, a jovem venceu um concurso de redação organizado pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e hoje cursa Relações Internacionais na Universidade de São Paulo (USP).
Eu sempre tive essa perspectiva de ser meu sonho entrar em uma universidade pública. Ninguém da minha família tinha feito universidade pública. Trazer esse reconhecimento para a comunidade, era uma coisa muito importante. Não era um sonho só meu, era dos meus pais também. O dia em que passei na USP, foi o dia em que vi minha mãe mais chorar na vida
Analice Nato, estudante
Para ser beneficiado, é preciso atender a alguns requisitos:
Ser estudante da rede pública ou bolsista integral em escola particular
Ter renda média familiar mensal correspondente a 1,5 salário mínimo por pessoa
Dedicar-se exclusivamente aos estudos durante o período da bolsa.
As inscrições para participar do projeto, no ano de 2025, serão abertas no dia 2 de agosto, e poderão ser feitas no site da associação. O processo seletivo consiste em provas e entrevistas com o estudante e a sua família.
Fonte: CNN Brasil