Terceirização de escolas públicas é adotada nos EUA e na Inglaterra; veja diferenças para o modelo do Paraná

Educação

Estados Unidos, Chile e Inglaterra já adotam sistemas em que parte das responsabilidades do estado é transferida para empresas, ONGs ou associações de pais. Exemplo inglês parece ser bem-sucedido, mas há críticas em relação à precarização da categoria docente.

Sob protestos de professores, a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) aprovou, na terça-feira (4), o projeto de lei que terceiriza a gestão de 204 colégios estaduais (cerca de 10% dos estabelecimentos de ensino da rede). Para entrar em vigor, o texto ainda tem de ser sancionado pelo governador Ratinho Júnior (PSD).

🌎Abaixo, nesta reportagem, o g1 lista exemplos semelhantes, aplicados por outros países, de parcerias entre os setores público e privado na administração de escolas públicas.

✏️Inglaterra
‘Academies’ dominam 80% das escolas de ensino fundamental e médio; resultados melhoram.
➡️Como funcionam? Em 2001, o governo da Inglaterra implementou um projeto de transformar as escolas públicas que tinham desempenho acadêmico fraco em “academies”: instituições fundadas pelo estado, mas administradas por entidades da sociedade civil (como organizações sociais ou empresas privadas).

Diante dos resultados positivos no aprendizado das crianças e adolescentes, a iniciativa foi ampliada para o restante da rede e deixou de ser exclusiva das instituições com problemas. Atualmente, cerca de 80% das escolas de ensino fundamental e médio do país já se tornaram “academies”.

“A gestão passa a ser mais flexível: a escola se compromete com metas de aprendizagem e pode construir saídas mais criativas para os seus problemas. Já a instituição gestora recebe recursos para administrar [o colégio], mediante um pacto de resultados que devem ser atingidos. Está funcionando”, afirma Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV.
Há, ainda, “cadeias de academies”, chamadas de “multi academy trusts (MATs)”, em que um mesmo “patrocinador” forma uma rede de colégios parceiros que podem compartilhar experiências, investimentos e a mesma linha de conduta educacional.

Escolas menores, principalmente, seriam beneficiadas por esse apoio (não só por aprenderem com outros exemplos, mas também por usufruírem de serviços contratados pelo grupo por um custo-benefício melhor).

Observação: O governo continua supervisionando os índices de aprendizagem e a contabilidade dos colégios.

➡️É o mesmo projeto defendido pelo PL paranaense? Não. Diferentemente do projeto do Paraná, no exemplo inglês há interferências não só financeiras, mas também pedagógicas: a intenção da “terceirização” é justamente oferecer maior liberdade para que cada colégio, de acordo com suas necessidades, adapte currículos e decida como gastar a verba pública (com professores ou com equipamentos para sala de aula, por exemplo).

Os salários dos funcionários, na Inglaterra, não são padronizados — já no Paraná, os professores receberiam a mesma remuneração dos concursados da rede pública.

➡️Está dando certo? Segundo avaliações educacionais organizadas pelo governo da Inglaterra, houve avanço significativo no desempenho dos alunos das “academies”. A maior flexibilidade na gestão favoreceu o desenvolvimento de práticas pedagógicas bem-sucedidas nas escolas.

Por outro lado, críticos apontam que:

as MATs estão abarcando um número excessivo de instituições de ensino, sem dar conta de administrar todas elas cuidadosamente;
empresários do setor privado, sem a devida experiência no setor educacional, estariam envolvidos em responsabilidades importantes da gestão das escolas;
as disparidades salariais aumentaram entre os professores;
algumas “academies” adotaram processos seletivos de alunos, excluindo aqueles que não apresentavam bons desempenhos acadêmicos;
os investimentos públicos na educação têm priorizado as “academies”, em detrimento das escolas independentes.
✏️Estados Unidos: ‘escolas charter’

‘Escolas charter’ levam a melhorias quase nulas no desempenho de alunos.
➡️Como funciona? As “escolas charter”, criadas na década de 1980, são instituições de ensino públicas, que recebem dinheiro do governo, mas cuja administração é inteiramente feita por uma entidade privada (seja uma ONG ou uma associação de pais de alunos).

Os detalhes do funcionamento variam de acordo com o estado americano em que estão localizadas.

➡️É o mesmo projeto defendido pelo PL paranaense? Não. No caso das “escolas charter”, a parte pedagógica também fica a cargo do setor privado. Já no Paraná, somente as questões administrativas e financeiras seriam terceirizadas.

➡️Tem dado certo? Depende do ponto de vista.

Lara Simielli, professora do Departamento de Gestão Pública na Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV) e coordenadora de uma pesquisa do D3e sobre programas educacionais dos EUA, analisou os maiores estudos a respeito das escolas charter. Ao g1, ela afirmou que:

o impacto no desempenho dos estudantes foi quase nulo ou muito baixo;
o sistema educacional ficou mais segregado, já que os pais, com liberdade de escolher uma escola pública para os filhos, tendem a eleger uma de perfil socioeconômico e racial semelhante ao de sua família.
Em casos pontuais, houve melhoria na aprendizagem de crianças e jovens. Segundo um estudo da Universidade Stanford, publicado em fevereiro deste ano, os avanços foram quase que imperceptíveis nos primeiros anos de implementação das charters, entre 2000 e 2008. Mas, de 2014 a 2019, as crianças melhoraram em matemática e em leitura.

“Não é uma revolução, mas vemos pequenas melhoras a cada ano”, afirma o líder da pesquisa, Macke Raymond.
Apesar disso, há os seguintes riscos reportados pela imprensa americana na cobertura jornalística de escolas charter:

desvios de dinheiro público;
precarização nas condições de trabalho dos professores (principalmente em estados com sindicatos mais enfraquecidos);
falta de critérios na contratação de docentes.
✏️Chile: ‘vouchers’
Projeto aumentou a desigualdade na educação.
➡️Como funciona? A “privatização” da gestão escolar no Chile é uma herança da ditadura militar de Augusto Pinochet.

O país instaurou um sistema de “vouchers” — as famílias dos alunos que fazem parte do programa podem escolher se eles estudarão em uma escola particular subsidiada pelo Estado ou em um colégio público. A opção escolhida receberá o tal “voucher”, ou seja, um dinheiro pago pelo governo por cada matrícula efetuada.

O objetivo é gerar uma competição entre instituições de ensino privadas e públicas, para que, em tese, todas melhorem a qualidade do serviço oferecido aos alunos.

➡️É o mesmo projeto defendido pelo PL paranaense? Não. O exemplo do Paraná, da forma como foi apresentado, não menciona a emissão de vouchers. O modelo paranaense não prevê nada parecido.

➡️Está dando certo? Não. Foi esse sistema que gerou uma marcha de estudantes (movimento Pinguim) em 2006. Segundo os manifestantes, na prática, os colégios de regiões mais pobres acabam sendo sustentados integralmente pelo dinheiro dos vouchers, mantendo-se em situação precária.

Já nas escolas subsidiadas em regiões mais ricas, os pais dos alunos usam esses “cartões” apenas para abater uma parte da mensalidade, pagando o restante “do próprio bolso”. Consequentemente, esses colégios recebem mais investimentos e permanecem muito à frente dos demais em questões de estrutura e de qualidade do ensino.

Foram promovidos, nos últimos anos, ajustes no programa. Ainda assim, mantêm-se a segregação socioeconômica na educação, segundo relatório da Unesco, e o encolhimento do setor público.

✏️Estados Unidos: vouchers
Cerca de 30 estados adotam a iniciativa; resultados são melhores que os do Chile.
➡️Como funciona? Os programas de vouchers surgiram nos EUA no início da década de 1990. Atualmente, são adotados por cerca de 30 estados e Washington, capital do país.

Parte do dinheiro público da educação é transferida para escolas particulares que participam do projeto. Dessa forma, as famílias contempladas passam a poder escolher entre matricular o aluno na rede pública ou privada.

São três tipos de vouchers possíveis (nem todos os estados oferecem o “cardápio” completo):

Programas de vouchers tradicionais: o estado separa uma quantia que iria para escolas públicas e a direciona para o custeio de mensalidades em escolas privadas. Em geral, há pré-requisitos impostos aos colégios participantes e aos alunos beneficiados.
Poupanças educacionais: diferentemente dos vouchers, esse dinheiro pode ser usado em qualquer escola particular, mesmo em uma que não aderiu ao programa. Neste caso, o estado coloca o dinheiro em uma conta individual por estudante, e o valor pode ser usado para bancar (parcial ou totalmente) a mensalidade em uma escola particular ou as despesas do homeschooling (educação domiciliar). Caso opte por uma escola privada cuja mensalidade seja maior que o valor do benefício, caberá à família arcar com a diferença de valor.
Bolsas de crédito fiscal: o estado concede créditos fiscais (como desconto ou isenção de impostos) a empresas que doarem dinheiro para uma organização que gerencia bolsas escolares. Os alunos que atenderem aos requisitos e forem beneficiados pelo programa podem usar o dinheiro da bolsa para pagar mensalidades em uma escola particular.
➡️Quem é beneficiado? Importante: as instituições de ensino não são obrigadas a admitir qualquer estudante.

Em muitos casos, o programa só aceita alunos inscritos que se encaixa em uma das categorias:

pessoas com deficiência;
crianças de famílias de baixa renda;
alunos matriculados em escola pública que tenha um sistema educacional falho.
➡️É o mesmo projeto defendido pelo PL paranaense? Não. Como afirmado mais acima, o Paraná não menciona a emissão de vouchers.

➡️Tem dado certo? Para Simielli, a política pode, sim, ser positiva para o cenário educacional do país.

“Entre voucher e charter [entenda mais abaixo], o voucher [nos casos em que é direcionado a grupos específicos] tem mais impacto, porque é possível selecionar os alunos que serão beneficiados. Pode ser um critério de renda, por exemplo, ou de deficiência, fazendo uma classificação de quem precisa [do auxílio]”, avalia.

Fonte: g1

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